sexta-feira, 9 de março de 2018

EM DEFESA DA BÍBLIA - Encarando-a pelo que realmente ela é:

Quando falamos de Bíblia, nos ocorre uma ideia; uma ideia propagada ao longo dos séculos e enfatizada por denominações protestantes e suas derivadas , mas que nem de longe corresponde à verdade, qual seja: A Biblia é um livro Único, harmonioso, inerrante, formado por Deus pra ser a carta de um Pai Amoroso, um manual de instruções pra vida humana. Essa ideia é linda e atraente, mas absurda. É essa ideia que as pessoas carregam quando se referem a algo como sendo "Bíblico" ou não sendo "Biblico", muito semelhante a um advogado quando diz que uma lei ou ação do Estado é constitucional ou inconstitucional.
Todavia, o desenvolvimento da Biblia nada tem de parecido com a formação de uma Carta Magna, que é criada num momento de uma nação com um fim específico.
DESENVOLVIMENTO: essa é a palavra. A Bíblia trata-se de um desenvolvimento de escrituras de fé, passando por períodos e culturas diferentes na história do povo judeu, e posteriormente cristão. 
Quando estudamos a história do Cristianismo e da transmissão do texto bíblico até nossos dias, torna-se evidente a falácia desse conceito de a Bíblia ser a inerrante Palavra de nosso Deus.
Sessenta e seis livros que formam um só, harmonioso, sem qualquer contradição, perfeito, e cada qual focando o mesmo tema como se fosse uma obra única de um único Autor? NÃO MESMO!!!
Os seus autores (não apenas escritores) eram humanos, pessoas de fé, que nos passaram a visão que eles tinham de Deus na sua época e na sua cultura.
E não apenas os 66 livros, mas como é sabido, muitos outros livros de fé foram concebidos pela cultura judaica e pela tradição cristã. Quanto mais valioso pode ser os livros dos Macabeus do que Cânticos de Salomão pra entendermos a história e a fé do povo Judeu!
Assim, os critérios usados para formação do Cânon, tanto do Antigo como do Novo Testamento são puramente humanos, e QUERER acreditar que determinado livro teve revelação divina, ao passo que outro não, trata-se de uma questão meramente subjetiva, de fé.
Quando eliminamos, por outro lado, essa amarração de um cânon, temos como resultado não A BÍBLIA, mas escrituras judaicas e cristãs individuais, cada qual com seu momento histórico, motivação específica e teologia individual.
Sendo um produto humano, naturalmente haveria erros e a limitação de visão de quem escreveu na época (como o relato nos dias de Josué sobre o Sol ficar parado), e não há porque ficar defendendo isso, e nem tampouco criticando isso.
Pior se torna então quando tentamos comparar uma obra com outra, como os 3 evangelhos sinópticos: a diferença e a perspectiva entre eles é gritante, e não teria como ser diferente, porque são obras distintas, e não há porque ficar defendendo isso, harmonizando isso e nem tampouco criticando isso.
É isso que é, simples assim, é um fato.
Observe esse começo da carta aos Corintios (1 Cor. 1:14-16). Imagine Saulo de Tarso segurando a pena enquanto escreve seus argumentos à Congregação pra ela se manter unida. Ele começa o vers. 14 dizendo que não batizou ninguém, exceto Crispo e Gaio. De repente o apóstolo se lembra no vers. 16 que batizou a casa de Estéfanas e inclui isso. O que eu quero destacar aqui é a naturalidade com que ele corrige esse pensamento. O apóstolo não cogita: “essa carta se tornará a palavra inspirada de Deus e não poderá conter erros, rasgarei isso e começarei de novo”. Não!!! Se trata simplesmente de uma carta de um humano enviada para humanos, e não me parece que Saulo tenha imaginado que esta carta se tornaria “INERRANTE”, “INFALÍVEL”, “SAGRADA”, ou qualquer desses adjetivos.

Essa ideia de “INERRANTE” me parece ter sido mesmo um produto da Reforma Protestante, ou pelo menos foi acentuada nesse período.
A longa tradição que a Igreja Católica gozava, lhe concedia autoridade sem precisar da Bíblia. A tradição e a autoridade Papal muitas vezes estava acima do Cânon. Afinal, tinha sido a tradição e a autoridade da Igreja que havia formado o Cânon, e não o contrário.
Mas os reformadores, como Lutero e Calvino, não dispunham de tal autoridade. Suas recém formadas instituições não tinham séculos de tradição, cabendo a eles recorrer apenas à autoridade da Bíblia. Daí a importância da ideia de Sola Scriptura. Para os reformadores, assegurarem a ideia que a Bíblia é “inerrante” era fundamental.

E essa idéia de perfeita, infalível e inerrante foi a ideia que a Torre de Vigia nos transmitiu. Mas como eu, muitos dissidentes aqui tem chegado pelo menos a essa conclusão parecida: A Bíblia está longe de ser aquele Livro Perfeito, produto de um único Autor, harmonioso, que pregávamos enquanto Testemunhas de Jeová.

Objetivamente falando, são escrituras milenares, humanas, de fé. Para o próprio judaísmo, o berço desses escritos, não existe essa amarração de um livro com outro que queremos embutir.
Cada livro é um livro. Cada carta é uma carta. Saulo de Tarso na carta aos Romanos defende que a justificação do homem é pela fé, não por obras. É a teologia dele.
Tiago, o Justo, na sua carta (atribuída a ele, porque os eruditos não são unânimes quanto a se a carta foi escrita por ele mesmo), defende que a Fé sem Obras está morta. É a teologia dele, diferente da de Saulo.
Como qualquer outra obra literária, quanto mais antigo e mais heróico for o personagem, mais fica difícil ter elementos de historicidade e mais abundam os elementos míticos; quanto mais recente e mais humano for o personagem, mais forte se tornam os elementos históricos do mesmo.
Por exemplo: Moisés existiu? Muito provavelmente. Quem foi ele realmente e fez tudo que o pentateuco alega que fez? Essa questão é mais complicada de responder historicamente, sem o elemento da fé.
O Rei Ezequias existiu realmente e governou Judá? As evidências apontam para isso.
Jonas foi engolido pelo grande peixe? Sansão perdeu sua super força ao ter seu cabelo cortado?Nesses casos o aspecto lendário não é tão diferente de Aquiles ser flechado no calcanhar.
Posto isso, é um trabalho inútil ficar tentando defender as peripécias que nunca vimos só porque estão escritas num livro sagrado antigo. Peripécias essas que, se nos fossem contadas hoje por testemunhas oculares, nossa intuição natural seria duvidar.
Reiterando: vejo como trabalho inútil tanto defender como criticar o que está registrado nessas escrituras judaicas tão antigas. Porque é isso que elas são: escrituras antigas de fé repletas tanto de historicidade como de elementos míticos.
Quando falo "elas" no plural, quero enfatizar a realidade desse fato: A BÍBLIA, Livro Sagrado, no singular, não existe. É um conceito criado, uma ideia da tradição cristã de um produto que simplesmente não existe. O que existem, são escrituras judaicas e cristãs, e independente de serem ou não inspiradas por Deus, a transmissão desse conjunto de escrituras até os nossos dias, é fascinante; e o conteúdo de boa parte desse texto, é inspirador e tocante.
Quando paramos pra pensar como pôde o texto e a cultura produzida pelo pequeno povo judeu impactar a história humana do jeito que o fez, temos duas escolhas: encarar que tudo isso foi coincidência junto com manobras políticas do Catolicismo e Império Romano, ou ter um olhar de fé e perceber Deus manobrando a história humana. Em qualquer uma das duas escolhas, outras questões se desdobram: Se foi coincidência esse texto chegar do jeito que chegou, porque tantos outros textos antigos, religiosos e não religiosos, e por vezes de homens tão mais sábios que os profetas bíblicos, como os textos de Platão, não influenciaram a história humana do jeito que os profetas o fizeram? Do outro lado, é impossível não questionar: Se Deus estava manobrando a história humana por meio desses escritos, porque esses mesmos escritos levaram tanto judeus como cristãos a se matarem em guerras religiosas e inquisições? Que tipo de manobra é essa?
Dos dois lados temos questões complexas e não pretendo discuti-las, só apontar que em ambas as escolhas, da fé ou da falta dela, cada um poderá buscar aquilo que lhe Faz Sentido, e deve ser respeitado por isso.
O que me motivou a escrever esse texto é perceber essa diferença: enquanto para Cristãos Fundamentalistas, como as Testemunhas de Jeová, que aprenderam a enxergar o mundo no Preto ou Branco, é impossível ver erros na Bíblia e continuar acreditando nela ou na fé Cristã; para Cristãos mais liberais, de mente mais livre, é muito comum observar erros ou discordar de passagens bíblicas, e ainda assim se manter na fé Cristã. Ao falar isso, não estou pensando em Cristãos leigos que nada conhecem das escrituras, que acham que a Bíblia caiu dos céus pronta com capa de couro e zíper. Estou pensando em eruditos estudiosos da história Cristã e do texto bíblico, como Rudolf Bultmann, pra quem o Novo Testamento estava repleto de mitos, que o cristão moderno não deveria se sentir obrigado a acreditar. Ou como Oscar Cullman que escreveu sobre a possibilidade da seita dos Essênios ter influenciado João Batista e o próprio Jesus.
Contudo, muitos eruditos liberais como esses, mesmo sem apego a denominações rígidas cujo ponto de vista precisariam defender, não se apartaram da fé Cristã e das escrituras sagradas. Cito-os não porque eram acadêmicos inteligentes e agora precisamos acreditar no que eles acreditavam. Cito-os, porque ao lê-los me fez pensar: porque pra eles era possível continuar acreditando, mas para a maioria de nós, ex-tjs (e aqui eu me incluo) não é possível? 
Minha resposta: a nossa exposição de longa data a uma teologia fundamentalista, nos condicionou a enxergar tudo no preto ou branco, certo ou errado, verdade ou mentira. No seu esforço de sustentar a amarração do Cânon Biblico e sua Teologia, a religião fundamentalista nos disse: Ou Adão foi um personagem real OU Jesus foi um mentiroso (porque ele faz referência a Adão). Ou os animais foram criados cada qual "segundo a sua espécie" OU a teoria da evolução, sendo verdadeira, prova que Deus não existe e nos tornaremos todos ateus. Percebe como estamos usando aqui um conectivo de lógica matemática "OU" pra falar de assuntos metafísicos, assuntos dos quais temos poucas certezas? Infinitas possibilidades se abrem no meio desse PRETO ou BRANCO, infinitos tons na escala de cinza. Pode ter ocorrido muito bem de Adão ser um personagem mitológico do Gênesis e Jesus nunca ter dito o que os evangelhos atribuem a ele (afinal, foram escritos décadas depois da morte dele).
Pode ser que tenha havido a evolução das espécies, mas Deus "startou" a vida há bilhões de anos, aqui na terra, ou fora dela. São apenas possibilidades, e nenhuma merda de lógica, nem coerência, vão preencher as lacunas.
Na verdade, apenas o que pode preencher as lacunas na sua mente, e na minha, é a fé (se vc precisar tê-la). E fé... é fé... não precisa de lógica e nem tanta coerência.
Tendo essa visão maniqueísta do mundo,  não é à tôa que nos surpreendemos quando vemos um Arcebispo inteligentíssimo dizendo que o Gênesis é mitológico, que acredita na evolução das espécies, mas defende a existência de um Criador de tudo. (O video a que me refiro aqui trata-se de um debate entre o Arcebispo australiano e o evolucionista Richard Dawkins).
Bom, resumindo e voltando ao tema, eu me propus a DEFENDER A BÍBLIA. E é assim que a defendo: ela não existe, é um conceito criado, uma amarração impossível. O que existem são muitas escrituras judaicas e cristãs antigas (não apenas 66), e elas podem muito bem ser sagradas; podem ser totalmente humanas repletas de erros, e ainda assim, com algum nível de inspiração divina, podem fazer parte da Revelação de Deus pra humanidade. São lindas na sua poesia, na sua retórica, e especialmente, no modo como chegaram ao século 21. Com um poder da tradição de tão longa data, conseguem alcançar a alma humana como outros livros não conseguem... pelo menos a alma humana de quem tem fé... e estamos falando aqui, de bilhões de pessoas no decorrer da história humana que foram sustentadas por elas; e isso é lindo.
Mas mais do que isso, mais do que tocar o coração, a história contada em suas narrativas podem apontar uma direção, para que o ser humano não se sinta perdido no rumo que a história conduz. Nesse sentido, termino essa reflexão reproduzindo abaixo uma comparação feita por Willian Barclay, um famoso erudito que sabia o quão humana e falha a Bíblia era, e ainda assim se manteve apegado à fé cristã. Segue:

Na peça teatral The Black Stranger, de Gerald Healy, há uma cena
que ocorre na Irlanda, nos dias terríveis da grande fome de meados do
século XIX. Ao não saber o que fazer e carecendo de qualquer outra
solução, o governo contrata os desempregados para construírem estradas,
embora estas não fossem necessárias nem vão a lugar algum, Michael,
um dos personagens, descobre esta circunstância e um dia, quando volta
pra casa, diz a seu pai em uma expressão de cáustica surpresa: "Estão
fazendo estradas que não levam a lugar nenhum." Se crermos na profecia
jamais poderemos afirmar que isto é o que ocorre com a história. A
história nunca é um caminho que não leva a lugar nenhum. É possível que não usemos a profecia da mesma maneira como o fizeram nossos
pais, mas por trás do fato da profecia está a verdade eterna de que a vida
e o mundo não são caminhos sem destino, pelo contrário, se dirigem à
meta proposta por Deus.

segunda-feira, 13 de junho de 2016

Agora faz frio, mas o sol está aquecendo lá fora

Parece que é sempre bom ter uma ampla visão, olhar as coisas à distância e seu conjunto completo. No entando, se você pudesse sair agora do planeta, veria uma enorme escuridão lá fora; deslumbrante, mas escuridão; amedrontadora essa escuridão, que te faria pensar se estamos esquecidos no universo. Faria você se perguntar o que será do nosso mundinho, quando nossa estrela de quinta magnitude (o sol) entrar em colapso e se tornar uma Gigante vermelha e poteriormente, uma Anã branca.
Porém, se você volta pro seu reduto, pra sua pequena visão de mundo, e no frio do inverno olha o sol brilhando e aquecendo pela sua janela, o que você pode SENTIR, o que você pode PERCEBER, se você quiser,  é um Criador carinhoso e amoroso cuidando de você, e então você simplesmente abaixa sua cabeça... e agradece!!!
Acho que era isso o que faziam os índios quando adoravam o Deus Sol
Acho que era isso o que estava fazendo o salmista ao compor o belo Salmo 104
Thomas Gray, poeta inglês do século XVIII, disse:
"Quando a ignorância é felicidade, é loucura ser sábio"

quarta-feira, 20 de abril de 2016

OBJETIVO DESTE BLOG

Inicio hoje esse espaço sobre o Reino das dúvidas, das incertezas, e por conseguinte, da tolerância. Não é objetivo deste blog atacar ou diminuir a fé de ninguém, apenas expor que existe incerteza em quase tudo no campo religioso. Venho de uma herança profundamente fundamentalista e pensava que tinha certeza de tudo na vida e resposta para todas as perguntas. Hoje, das minhas certezas, pouco me resta. Me resta sim, uma fé no Criador, mas sem necessariamente estar padronizada no conceito judaico cristão de Deus.Vejo a fé hoje como algo pessoal, uma experiência íntima, uma percepção única de cada indivíduo, não como algo coletivo como se impõe nas denominações institucionalizadas. Portanto, o título desse blog não se refere à descrença em Deus, mas à descrença nas muitas correntes religiosas, em especial aquelas que procuram colocar o Criador dentro de uma caixa, e oferecer de presente aos outros. Porque quando cremos em algo só PORQUE outros crêem, sem termos chegado às nossas próprias conclusões, o que temos é meramente uma FÉ EMPRESTADA. Essa ERA a minha fé, agora não mais. Posteriormente contarei minha história e porque cheguei a essas conclusões.